sábado, 5 de abril de 2014

O Cocheiro, a Roda e os Veículos

Professor João Beserra da Silva
O Cocheiro, a Roda e os Veículos
Em momento algum, quando o homem há sete mil anos descobriu a roda, pensou no que ela poderia lhe proporcionar. Assim como aonde ela o conduziria. Com evidência, aquele pensador mesopotâmico, ao ver passar uma tropa de carga, pensou: "Ah! Se aquelas bestas tivessem no lugar das pernas algo que se movesse mais rápido!
Sem qualquer conhecimento técnico conversou com o seu filho primogênito, que era copeiro no palácio imperial.  Este relatou ao genitor que sofria demasiado ao ver seus colegas transportando os reis na "diligência” sobre suas costas. De forma desumana.
- Meu filho, quando o homem vai usar a cabeça? Pergunte ao rei para que o coco serve?
Chegando ao palácio percebeu que o monarca se preparava para sair em sua "carruagem real”. Aproximou-se dele. Atreveu-se, afirmando:
- Meu rei, o cabriolé correria com maior rapidez deslizando sobre cocos. Sem que fizesse sofrer os homens que o carregam.
- Trataremos melhor deste assunto tão esquisito na volta. Entretanto, pensarei durante a viagem. – Assim se pronunciando intimou aos escravos para que corressem o quanto pudessem porque tinha pressa excessiva de chegar ao lugar pretendido.
Os servos andaram tão depressa que se cansaram rapidamente. Um deles tropeçou. Caiu, arrastando aos demais. Inclusive ao rei e a sua esposa morro abaixo. Os escravos morreram mutilados. Os soberanos, sem ninguém para conduzi-los, retornaram a pé. Sem haver prosseguido para o destino anterior. Depois de penosos dias de caminhada Sua Majestade chegou ao palácio.  Mandou chamar imediatamente o copeiro.
- Explique-me a sua história sobre colocar cocos por baixo do cabriolé.
- Meu pai me garantiu que os homens precisam usar a cabeça para fazer com que a diligência real percorra o espaço com maior velocidade. Rogou-me para perguntar ao senhor "para que serve o coco”?
- Vou refletir. Convocarei meu Conselho para me darem a resposta correta. Depois ouvirei o seu pai.
Os sábios, os conselheiros e quantos o monarca dispunha por meses a fio se ocuparam em desvendar aquela sugestão. Sem solução, o ancião foi intimado a estar na presença do soberano.
- Diga-me o que tem a ver coco com cabeça e coco com cabriolé?
- Majestade, padeço demais quando observo seus servos carregando o senhor. A sua esposa. A tantos outros nas costas. Construa um veículo que resvale sobre cocos, puxado por bestas.
Fixaram os cocos no estrado da carruagem. O cocheiro usava o chicote, impelindo os animais a andarem mais rápido. Com o tempo, o próprio rei pensou numa forma melhor que girasse. Veio a roda rudimentar com exagerado desgaste. Quando o homem conheceu o fogo, revestiu-a com um arco de pedra. Mais tarde, de ferro. Contudo, o instinto destruidor usou o fogo e o ferro para produzir armas. Para provocar a guerra. Para a violência. Para chicotear. Para agredir, sempre com o uso do chicote. Por milênios inteiros os carros, já sofisticados, eram puxados por animais. Mais para batalhas do que para servir ao bem da humanidade. Mais para a morte do que para a vida. Mais para a destruição do que para a prosperidade.
Milênios depois o homem fabricou um motor para substituir os animais. A partir daí se aprimorou na velocidade. Em seguida aperfeiçoou os modelos. Buscou melhorias que favorecessem a segurança interna. Aperfeiçoou-se na tecnologia de produção. Encheu as ruas, as praças, as garagens, as rodovias e as pistas de veículos dos mais diversos tipos, modelos e tamanhos.
Jamais entendeu a linguagem do ancião da Mesopotâmia. Nunca reflexionou na relação cabeça e coco. Em tempo algum procurou discernir sobre o conteúdo da cabeça e o do coco. O coco contém água doce que serve à saúde do físico. A cabeça encerra massa cinzenta que fortifica a alma. Põe em ação o espírito. Que carece ser aplicado na educação. Sem a qual continuaremos sendo pré-históricos com índole belicosa. Ávida para matar e destruir. Os automotores transformaram-se em armas mortíferas e perigosas. O "chicote” jamais saiu das mãos dos homens; Ou pelo menos de suas cabeças, com ranço no coração.
Assim é o trânsito que nada pensa. Mas, mata mais que todas as guerras. Que é pensado, desenvolvido e melhorado pelos humanos. De nada servirão belas estradas. Ou os melhores recursos da tecnologia avançada se o homem guardar o ímpeto de correr riscos. Sem juízo, sem respeito, sem amor à vida. À sua e à do semelhante.
Percorremos todo o nosso país. De Sul ao Norte. De Leste ao Oeste. Como muito mais de vinte países, em três continentes. Em todo lugar há veículos, ruas, estradas e avenidas. Há mais pessoas do que carros, ônibus, trens e metrôs. Há trânsito e transporte. Há seminários, fóruns, congressos e estudos. A sua maioria voltada para o lado material. Para o ferro, para o aço, para o asfalto. Para o cimento e para o concreto Há em número ínfimo a preocupação com a educação e com o sentido da vida. Há zelo com o requinte e com a beleza dos modelos apresentados. Recomendação alguma quanto à formação do ser que ocupa hoje o lugar do cocheiro. Ou daquele que transportava o rei. É preciso que o motorista limpe o seu coração. Que desfrute do respeito à vida. Do amor à vida do seu semelhante. Que busque a Deus. Que faça a diferença. Que seja diferente dos veículos. Por mais avançados que sejam, são irracionais. Sem possibilidade alguma de cogitar. Mesmo que estacionem automaticamente. A diferença está e estará sempre na índole do condutor. Na sua forma de agir e de pensar. Em suas emoções. Em seus sentimentos. No autocontrole. No autoconhecimento. Na atenção e na reflexão. Na descoberta da bênção da vida.
Pensemos em melhorar a nossa postura e as nossas atitudes. Reflitamos sobre as cenas do cotidiano de nossas ruas e das nossas estradas.  Do campo e das cidades. Quantos corações dirigem seus veículos repletos do veneno da ira, da revolta.  Da ansiedade e da angústia. Da pressa e da indecisão. Da falta de respeito pleno.
Que todas as mudanças no trânsito partam antes de tudo da pessoa. Como dizia Gandhi; "Seja você a mudança que deseja no mundo”. O melhor carro, as melhores estradas, os melhores recursos de nada valem se continuarmos piores do que o nosso meio de transporte. A educação está em primeiro lugar. Esperamos que os dirigentes em suas mesas temáticas insiram uma cadeira de alguém que profira com consciência e com ciência conferências sobre educação no Trânsito para o coração. Que valor as regras de trânsito terão sem as leis do amor? Sem a consideração pelo outro. Pelo que é seu? Ou que se discorra sobre Mobilidade e Logística Humana.
Que Deus abençoe a todos que abraçarem esta causa. À causa da vida feliz, sem acidentes, sem erros e sem injustiças. Exemplo claro foi o problema do acidente de trânsito oferecido por Marc Lalonde, Ministro da Saúde do Canadá, à época (1974). Ele deixou bem evidente que os fatores que mais contribuem para o aumento dos acidentes de trânsito são:
1.            O estilo de vida,
2.            O meio-ambiente,
3.            A organização da atenção à saúde. (À vida – o grifo é nosso).
biologia humana tem ficado sem importância em todos os eventos públicos. O cuidado maior prepondera no tocante à mecânica dos veículos. Sem qualquer atenção à "mecânica humana”. À sua cabeça. Ao seu coração, onde deveriam estar os principais "motores psicológicos”. Bem como o "módulo de comando”. Nos tempos de hoje esses motores somente "se ligarão” mediante leis rígidas com educação e com conscientização, sem impunidade. Só assim o ser humano aprenderá o que seja respeito. Para tanto, imprescindível será que respeite a sua própria vida para valorar a de seus semelhantes.
Nosso mundo será melhor quando deixarmos de ser meros espectadores para sermos protagonistas do bem, do belo, do justo e do amor. Temos dito em nossas aulas de "Direção Defensiva”: "Percamos o nosso direito de preferência para termos o direito à Vida”.
Professor João Beserra da Silva - Pensador, escritor, poeta, conferencista e advogado.
[professorbeserra.blogspot.com / professorbeserra@yahoo.com.br]