segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Economia e a Vida

A Economia e a Vida
Marcus Eduardo de Oliveira (*)

Talvez o maior erro do sistema capitalista seja o fato de ter baseado a vida econômica na acumulação de capital, identifi-cando isso como sinônimo de progresso.
Nesse sentido, acumular significa, grosso modo, enfatizar o “ter”, em detrimento do “ser”. Essa é a característica emble-mática de um sistema que se assenta sobre todo e qualquer modo para se atingir essa finalidade; razão pela qual a explo-ração, em toda sua plenitude, é largamente observada na ma-neira e nos modos como esse sistema opera.
Pois bem. Ao ler o ensaísta equatoriano Eduardo Mora-Anda (A História dos Ideais), que faz consistente crítica sobre a ma-neira de proceder desse sistema, verificamos que “o capita-lismo supõe que o dinheiro é fértil e deve produzir lucros, o que é mentira, porque o dinheiro, de per si, sem trabalho, não produz nada”.
No entanto, a ciência econômica, à lá mercantilização capita-lista da vida, insiste em inverter essa situação e apregoar den-tro dos mecanismos que comandam o mercado, que dinheiro gera dinheiro, que dinheiro trás felicidade.
Conquanto, quando a economia pelas mãos de Adam Smith, nas duas últimas décadas do século XVIII, se fez ciência, nasceu com o propósito de explicar o “progresso das nações”. Isso pode ser considerado um avanço à época, pois superava lar-gamente a idéia mercantilista - que se consolidou a partir do período histórico da Revolução Comercial (séculos XVI – XVII-I) - de que o acúmulo de metais preciosos era a finalidade ím-par, e a condição sine qua non, para se tornar forte e dinâmico; tudo isso, é claro, movido por algo “nobre”: a ação individual das pessoas. Era o individualismo correndo na busca pelo dinheiro; portanto, pelo “progresso”.
Desse modo, com Smith e os demais clássicos ingleses, o indi-vidualismo ganhou referência ímpar em termos de análise e-conômica. Isso serviu de base ao liberalismo econômico clás-sico; afinal, “os homens são por naturezas egoístas, motivados apenas por interesses próprios” dizia Dudley North.
Pois bem. Tomando por base essas primeiras lições econômi-cas, três idéias puderam ser afloradas: 1. É necessário acumu-lar; 2. É preciso ser individualista; 3. Que se dane o resto.
Ora, tais pressupostos, decorridos mais de 230 anos, infeliz-mente se petrificaram a ponto de se converter em paradigma. No entanto, é preciso mudar essa história. Deus nos criou para amarmos as pessoas e utilizarmos as coisas. Todavia, por conta desses pressupostos, estamos também invertendo isso e amando as coisas e utilizando as pessoas.
Mas, algo precisa ser feito. Sugestão: a ciência econômica, “manipulada” pelos homens de bem, precisa encontrar alter-nativas nas políticas públicas para promover melhorias na vi-da das pessoas que participam da atividade econômica, ora produzindo, ora consumindo, trocando mercadorias, gastando seus recursos ou mesmo poupando-os. Isso é economia! Em outras palavras, a economia precisa funcionar para o bem maior, ainda que seja necessário algumas vezes remar contra a maré. Só faz sentido se pensar em Economia (enquanto ci-ência/conhecimento/atividade) quando “acoplamos” nas di-versas variáveis econômicas a figura primordial do indivíduo, até mesmo porque toda a atividade produtiva gira em torno de quem? Gira em torno desse indivíduo que responde à eco-nomia com seus desejos e necessidades, indispensáveis à sua sobrevivência.
Na verdade, não importa saber se a economia (enquanto ati-vidade) vai bem ou vai mal; o que realmente importa saber é quem (eu, você, nós) vai bem e quem (ele, ela, todos nós) vai mal na economia. Esse quem se refere às pessoas; somos todos nós, participantes da economia, ainda que, pela regulação econômica atual, cujo predomínio é dado pelas grandes cor-porações detentoras de capital, em que prevalecem apenas as exorbitantes taxas de lucros, nós, os participantes da vida e-conômica, sejamos colocados como meros coadjuvantes, e não como as personagens principais desse enredo.
Há problemas diversos a serem superados? Há dificuldades por vezes que se apresentam intransponíveis? Há limites im-postos pelas leis da natureza? Há escassez a serem dribladas, principalmente quando essas são “criadas” adredemente para que os preços subam? Para cada uma dessas indagações, a resposta é SIM.
Conquanto, há ainda algo muito mais importante a ser feito: é a necessidade de se consolidar em cada um de nós o senti-mento plausível da construção de outra economia. Que outra economia? Essa outra economia é possível e alcançável? Sim. Essa outra economia que aqui faço alusão é humana, é social, é equilibrada ecologicamente. Essa outra economia é justa e participativa, é solidária e fraternal, é coletiva, e não individu-al, apesar dos manuais acadêmicos recomendarem a prática sistemática do individualismo como dissemos anteriormente.
Essa outra economia passa pela solidariedade e aponta dedo em riste para o lado social como porta de entrada para um mundo melhor, sempre esperando que os novos modelos eco-nômicos de crescimento englobem o indivíduo como ponto focal em suas análises.
A economia não é somente o mercado e as mercadorias. A e-conomia não são somente as taxas, os índices, os indicadores, os lucros, os grandes conglomerados, as finanças, os números e os gráficos que compõem o universo de análise técnico-acadêmica. A economia é o indivíduo que trabalha, que pro-duz, que negocia, que vive, que carece de ajuda, que sonha com um amanhã melhor.
A outra economia que, creio, todos queremos, é a economia do crescimento com qualidade, com equilíbrio, com justiça social. É a economia que soma e inclui; não aquela que divide e exclui e, por isso, se torna desigual, acumulando injustiças sociais, indo muito mal. A economia que queremos não é aquela que torna a “sociedade malvada” nas sábias palavras do professor Paulo Freire (1921-97). A economia que todos queremos é dinâmica e expansiva e, por isso (e também para isso), capaz de “construir um mundo onde todos ganhem”, nas palavras da economista Hazel Henderson.
A economia que queremos deve se pôr à serviço das pessoas, e não esperar que as pessoas se coloquem à serviço dessa e-conomia. A economia que ansiamos reconhece o papel das pessoas e respeita os limites da biosfera ao não propor, por exemplo, um crescimento a qualquer preço, sem regras esta-belecidas. A economia que queremos ver praticada em nossa sociedade propõe trocar o atual modelo de crescimento (ex-presso em quantidade) por um modelo de desenvolvimento (expresso em qualidade), até mesmo porque, em momento algum, quantidade significou qualidade. Quantidade satisfaz apenas a ganância e a mesquinhez consumista; enquanto qua-lidade satisfaz o espírito e enobrece as relações humanas.
A outra economia que esperamos ver em breve nos próximos tempos se preocupa com a felicidade das pessoas, busca o bem estar comum. A outra economia que sonhamos, por fim, sabe de seus limites e se reconhece como apenas um meio, pois compreende firmemente que se há um final, esse certamente é a vida de cada um. E que essa vida seja economicamente melhor para todos – e por todos - com bem-estar e com capacidade de sempre se renovar para continuar sua evolução, com limites, com respeito, com organização democrática, com a participação coletiva.
A ciência econômica nasceu para isso. Disso não tenhamos dúvida. A Economia – ciência - nasceu para apontar alternati-vas na construção de um mundo melhor, para propor cami-nhos que levam cada um de nós a escolher as melhores deci-sões, maximizando nossos desejos e esperando que o coletivo se fortaleça, pois não há progresso verdadeiro quando o pró-ximo passa fome.
A economia se fez ciência definitivamente para junto às outras ciências definir soluções responsáveis em matéria de boa governança na aplicação do dinheiro público, visto que a “ali-mentação” dos cofres públicos sai do bolso do contribuinte.
A ciência econômica nasceu, sobretudo, para promover a de-mocracia econômica e, a partir do resgate da valorização das ações coletivas promover algo mais: a libertação de cada um de nós e do todo.
Para tanto, é necessário que estejamos adaptados e prepara-dos para essas mudanças. Quanto a isso, não tenhamos dúvi-das que a economia muda, em geral, mais rapidamente do que a nossa capacidade de organizá-la. Por isso, entender a eco-nomia e seus meandros (macro e microeconômicos) são fun-damentais para a realização dessa mudança.

Definitivamente, a ciência econômica precisa se firmar ado-tando uma postura em favor da natureza (crescer sem destru-ir) e da vida (eliminar a exclusão e priorizar o indivíduo). Pa-ra tanto, é imprescindível condenar o individualismo que rei-na às soltas nas noções iniciais de economia e incorporar, em seu lugar, os princípios da economia solidária pautadas na co-operação. Por fim, as técnicas econômicas precisam ser rede-senhadas pondo os meandros da macroeconomia à serviço de um bem maior: a vida; afinal, cabe reiterar, o fim é a vida, e, o meio, pode ser a ciência econômica.
(*) Professor de economia da FAC-FITO e do UNIFEIO (São Paulo) - Autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um Economista” e “Provocações Econômicas” (no prelo).
Os artigos desse autor em torno de questões econômicas têm sido amplamente publicados no Brasil e no exterior, com des-taque em Portugal, Cabo Verde, Timor Leste e Angola, além do jornal PRAVDA (Rússia). Contato:
prof.marcuseduardo@bol.com.br;

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